Algum anjo
terá chegado ao silêncio da terra
e estará ditando as suas sílabas translúcidas
ao imenso extravio
à memória do inaudito?
António Ramos Rosa
Martin Stranka
quinta-feira, 29 de abril de 2010
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Do caminho para o sótão
Martin Stranka
Na confusão de escombros
o caminho para o sótão
torna-se possível.
Há escadas
degraus de madeira
por entre vitrais coloridos
fazem-nos subir para o teu sótão.
Tem de se ter cuidado:
há pregos
falhas
lascas de madeira
entranham-se nos pés
e não reaparecem
Os tornozelos
nunca mais se endireitam.
Não há luz.
Não há certezas.
A qualquer momento
soçobramos
e caímos nos escombros.
Joana Serrado, Emparedada
terça-feira, 20 de abril de 2010
segunda-feira, 19 de abril de 2010
Nunca se sabe
Papéis velhos com poemas: são o joio
das gavetas. Relê-los causa aversão
e uma espécie de tristeza arrependida -
são tão nossos como as más recordações
e ainda vemos a circunstância precisa,
a causa, a ferida, por detrás de cada um.
Mas na altura havia esperança: é isso
que representam. Não pelas coisas que
dizem - é só descrença e fastio - mas
pela simples razão de termos querido
guardá-los. Com um pouco mais de alento,
de inspiração e trabalho, ainda se endireita
isto. Ou seja, os versos. E até a vida.
Rui Pires Cabral
das gavetas. Relê-los causa aversão
e uma espécie de tristeza arrependida -
são tão nossos como as más recordações
e ainda vemos a circunstância precisa,
a causa, a ferida, por detrás de cada um.
Mas na altura havia esperança: é isso
que representam. Não pelas coisas que
dizem - é só descrença e fastio - mas
pela simples razão de termos querido
guardá-los. Com um pouco mais de alento,
de inspiração e trabalho, ainda se endireita
isto. Ou seja, os versos. E até a vida.
Rui Pires Cabral
domingo, 18 de abril de 2010
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Estes lugares
São estes os lugares. Não evocam bosques
nem segredos, não chegam a cobrir
o passado com a crosta de uma sombra -
rasgo a boca e o gosto da lama
espalha-se. No entanto, dobra sem
porquê, retorno sempre a estes espelhos
marcados por dedos crepusculares,
às frias ruas de Novembro, à praia onde
trocámos por um cachecol a primeira traição,
ao fim da noite no descampado,
ao asfalto molhado do coração, a portas
onde o desejo bateu para não morrer.
São os nossos lugares. Como nosso é
o ardor na garganta pela manhã, a radiação
da veia a latejar, uma lasca de madeira
entre a carne e o osso, a visão do avô
paterno, numa fotografia, a cavalo,
a súbita amputação das pernas, a terra perdida,
o tanque vazio da quinta, a blusa que sobrou
de um corpo, lugares onde é mais liso o arco
da dor e o pensamento se fere, silencioso, como um bicho.
Por eles volto a acreditar na escuridão e na luz.
Luis Filipe Parrado
quinta-feira, 15 de abril de 2010
fragmento de Sakset kadessa ei saa juosta
Antes de ter tempo de pensar claramente,
subi bem alto na árvore
Dali se avistava até onde os olhos chegavam:
não muito longe, a uma distância de braço
a perspectiva já cambaleia. No ar algo
suspeito desliza entre os dedos.
Quem pode se enganar ao evocar a gravidade?
Quando chegar o momento do salto, eu o farei sozinha.
Lançarei os cabelos para trás como um pára-quedas
para que o salto seja seguro.
E, sobrevivente, caio com os pés à frente
na superfície sólida e vou-me embora. Vértebra a vértebra
a terra terá sido esmagada por caminhos e alguém dirá:
por aí andou uma mulher que sabe o que quer.
E ela ainda não sabe nada.
Vilja-Tuula Huotarinen, trad. Linda Nurmi e Márcio-André in confraria
Bill Henson
subi bem alto na árvore
Dali se avistava até onde os olhos chegavam:
não muito longe, a uma distância de braço
a perspectiva já cambaleia. No ar algo
suspeito desliza entre os dedos.
Quem pode se enganar ao evocar a gravidade?
Quando chegar o momento do salto, eu o farei sozinha.
Lançarei os cabelos para trás como um pára-quedas
para que o salto seja seguro.
E, sobrevivente, caio com os pés à frente
na superfície sólida e vou-me embora. Vértebra a vértebra
a terra terá sido esmagada por caminhos e alguém dirá:
por aí andou uma mulher que sabe o que quer.
E ela ainda não sabe nada.
Vilja-Tuula Huotarinen, trad. Linda Nurmi e Márcio-André in confraria
Bill Henson
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