quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011


Clara Roman

Perdi uma perna, ou um braço.
Ou o tronco na íntegra.
A sensação vazia de um espaço esponjoso que ocupa exponencialmente a
caixa torácica.
Perdi os dedos, as mãos.
O corpo fustigado na guilhotina áspera das palavras. Aquele volume poroso
encurtando-me os alvéolos em nebulosas vítreas.
O corte.
Perdi os olhos e a boca.
Ou o cheiro tenro das primaveras que soletram o rasgo etéreo do Amor no
papel.
Perdi o barco, o comboio, a imensidão das águas e das terras. A vida num
impasse de esperas. Viagens que não conheceram outro feito senão o enfeite
dos meus dedos.


Alice Turvo, férreos transversais

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

dizes o amor como se o amor fosse um tiro à queima roupa
mas eu dispo a camisola e mostro-te
o meu peito sem colete anti-balas
com a tua mira certeira
podes destravar o gatilho
e apontar a arma
peço-te um momento apenas
lembra-te: o amor é esta chama
que já me inflama o peito
não preciso de outra guerra
não precisamos de outra guerra

na noite, para rastilho, basta esta espera
que se amarra aos cabelos


Eric Guillemain

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

não quero fazer um intervalo de ti. quero fazer um intervalo contigo.


emma c.

(adormeço com aquela sensação de chuva no ouvido.)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Eu sei que tu não sabes. Eu sei que tu não acreditas. Mas ontem um desconhecido disse-me vai correr tudo bem.


Wemby


O teu sorriso segura-me antes de eu chegar ao chão.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

não, não foi porque partiste que eu decidi gostar de ti. de outro modo, também poderia dizer que foi porque fiquei que decidiste deixar de gostar de mim. e, assim, como um novelo de lã a tecer um Inverno interminável nenhuma estória de amor seria possível. mas a verdade é que as estórias de amor são possíveis. e intermináveis. mesmo se o Inverno é longo.


Ashlie Chavez

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Nunca te quis ter.
Só respirar-te o corpo:


e

essencialmente sê-lo.

Rita Taborda Duarte



Margot Pandone

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

este é o tempo das pequenas solidões
do cigarro pendurado entre os dedos
enquanto julgamos nesse instante reter
tudo aquilo que teima em ficar à distância



James Whitmore

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Há coisas em que me recuso a acreditar e esta é uma delas.



"E tempo virá em que não saberemos mais o que foi que nos uniu."

Hiroshima, mon amour

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Grito de socorro

Em mim há sempre
despedida:
Como alguém que se afoga
e com roupas
pesadas de água do mar
oferece o seu último amor
a uma pequena nuvem.
Hilde Domin

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

"Agora tem-se medo de coisas de nada." A nossa conversa podia ter começado assim. Há alguns meses faria tanto sentido quanto agora. Há coisas que não perdem a sua razão de existir. Como uma canção do Tom Waits. Como um verso de Al Berto. Como os poemas sobre perda e saudade, com cheiro a árvores e livros da Maria do Rosário Pedreira.
A janela tem luz e eu peço nada. O coração rasga-se mas há muito papel nele. A história reescreve-se. E tu cabes dentro dela. Com as minhas mãos à volta dos teus pulsos. Aí, todas as minhas certezas.
Estou a aprender que não ter sede, não ter fome, não tem nada de físico. É um sentimento que me falta. Por isso, antes não ter sede nem fome do que não ter saudades, medo, esperança, amor. Antes a falta de sentimento de sede e de fome do que a ternura ausente. Quero, por isso, esvair-me em ternura. Perder os sentidos do tanto que me vai no sangue. Ter em excesso essas partículas do amor. Sufocar disso. Deixar o coração obstruir-se desses resíduos. Antes isso do que deitar fora a esperança. E acordar na valeta, com luzes de uma sirene comandada por homens que não sabem que o amor é não ter fome nem sede. É, por vezes, muitas vezes, mais do que se pensa, mais do que se desejaria, não ter medo de coisas tão pequenas. Coisas de nada. Como morrer.
Ata-me a Fevereiro para que este mês venha lento e ainda se encontrem sobre as últimas folhas secas caminhos novos.

Tenho os teus sapatos. Não preciso de estrelas cadentes.