Morro, ao perder-te nesta fronteira
em que as águas fluem. Saio de entre as cinzas,
levando o brilho de um movimento que
se confunde com a hesitação do ser, enquanto
me pedes que abandone o lastro de inquietação
para que as portas se voltem a abrir. Mas
aonde ir? Em que cafés fechados voltarei
a ver-te, olhando a rua, até que os olhos
se cruzem num novo reencontro? Que
portagem terei de atravessar para restabelecer
o equilíbrio do mundo que uma simples dúvida
fez oscilar no seu eixo e luta para trazer
de volta a sua verdade? Que metamorfose
é ainda possível, neste corpo em que a dissipação
se instalou, e avança, como o fogo nos campos
mais secos de estio? Que abraços se irão
perder nesses parques abandonados, nas
estradas ermas do bosque, ou nesse
velho celeiro onde não fermentam já
as emoções do desejo?
Tu, ainda encostada à janela de onde vem
um último aceno, ouve o grito, com a sua música
terrível, e não percas o que nem os ventos puderam
levar, com a sua tensa respiração.
Nuno Júdice